Para quem viu ontem a reportagem da TVI, sobre a solidão, dificilmente terá ficado indiferente. Pelo menos se ainda tem réstias de humanidade dentro de si.
Vivemos no país da corrupção, onde um ministro pode tirar uma licenciatura a um domingo e ninguém estranha ou reage; onde pontes caem após dez e quinze anos de avisos; onde crianças entregues à Santa Misericórdia são violadas e quando reúnem coragem para denunciar o caso, acabam por ser agredidas, como se de vítimas tivessem passado a agressores; onde um pai pode bater num docente, e um docente não consegue sequer impor respeito na aula; onde os licenciados – sim, os que conseguem efectivamente tirar licenciaturas pelas vias normais – saem e após anos e anos de esforço não conseguem um trabalho que atinja sequer as fronteiras do que estudaram; onde licenciados e pessoas sem estudos têm a mesma miséria de ordenado, enquanto outros vivem à custa desta miséria; onde se pagam rendimentos mínimos a quem não procura trabalho, e se cortam subsídios de desemprego a quem trabalhou a vida inteira e se viu, subitamente, sem emprego porque a empresa abriu falência; onde se fala de envelhecimento da população mas se corta nos abonos para que não se pague demasiado (?) às crianças ainda por nascer; onde o Estado, sendo o maior devedor, consegue encerrar empresas que não tiveram dinheiro para pagar impostos; onde administradores tiram salários e prémios milionários em empresas públicas que estão em falência técnica; onde os pais perderam a noção do correcto a ensinar aos filhos, e temos pais que lamentam a perda da vivenda mas não lamentam a perda da família; onde um político pode, através de meios esconsos, subir na vida, espezinhando sempre os mesmos sacrificados; um país que corta na educação e na assistência médica, mas que constrói estádios que hoje vazios; um país que compra submarinos mas que não paga salários aos militares ou os devidos descontos; onde a Comunicação Social, toda de pinote, deita as notícias cuidadosamente controladas cá para fora, como que temendo ofender as dignidades (?) da classe política.
É este país que condena ao abandono, ao vazio, os idosos. Quer vivam numa grande cidade ou perdidos num monte alentejano.
O que é que marcou mais na reportagem? As jovens que foram retiradas aos pais e institucionalizadas em terra idade? As jovens que sofrem de anorexia desde tenra idade porque foram violadas e emitiram gritos silenciosos de ajuda que ninguém ouviu? Os pais que, por doença ou por outro motivo qualquer, perderam um ou dois filhos e tentam viver dia a dia, sabendo que a vida nunca mais será a mesma, que perderam a luz dos seus olhos? Ou aqueles idosos que toda a vida trabalharam a terra, de sol a sol, nunca pediram subsídios, nunca ouviram falar em férias, vivem em condições miseráveis, em casas onde não entra o sol mas entra muita chuva, onde o chão é de terra batida, onde o negrume se instalou nas paredes e na sua vida, onde a paisagem é a mesma, dia após dia após dia, que chamam fogão a um tripé ferrugento onde fazem uma fogueira no chão, numa casa sem ventilação? Onde um pai pode encontrar espaço num casebre de duas divisões para criar quatro filhos, mas esses quatro filhos não têm espaço nos seus apartamentos para levarem o pai para viver com eles? Onde um pai ou uma mão estão hospitalizados e pedem para ficar no hospital porque pelo menos ali têm refeições a tempo e horas? Onde a única companhia de um idoso, dia e noite, semana após semana, são os gatos, os cães ou as galinhas?
Tenho orgulho do Portugal que deu a conhecer novos mundos ao mundo; tenho orgulho do Portugal que sempre se uniu e lutou para resistir a invasores e conquistadores; tenho orgulho do Portugal que soube conviver com católicos e muçulmanos, e que todos tenham encontrado o seu cantinho; mas tenho vergonha do Portugal que permite que grandes lordes se banqueteiem enquanto as crianças passam fome; tenho vergonha do Portugal que permite que os idosos vivam abandonados sem as mínimas condições de higiene, sem água ou luz, sem uma única companhia que não seja a lezíria alentejana, a sua horta e a sua criação; tenho vergonha do Portugal que só reconhece o mérito de um português quando o estrangeiro também o faz; tenho vergonha do Portugal que permite que venham de fora dizer o que devemos ou não cultivar, o que devemos ou não pescar, o que devemos ou não produzir; tenho vergonha do Portugal que permite que reduzam a cinzas um país que tinha tudo para se governar sozinho. Em suma, tenho vergonha do Portugal que não se importa com o Português.
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