Impagável, até hoje, a expressão: “Ò Evaristo tens cá disto?”
Quem não conhece este belo exemplar da comédia portuguesa, não sabe o que perde. Já era velho quando eu nasci e não foi rejuvenescendo com o tempo; fizeram uns retoques digitais que vá lá vá lá melhoram a qualidade de imagem e som, mas continua a ser um filme com um encanto próprio.
Um encanto próprio a preto e branco, subentenda-se. No dia em que algum iluminado se lembrar de lhe adicionar cor devia ser apedrejado em praça pública, porque o seu a seu dono, e se o filme nasceu assim, não devia ser adulterado.
Podiam dizer que havia censura, havia a tentativa de passar a imagem de um povo “pobrete mas alegrete” e que aproveitava todas as épocas e mais alguma para festejar. Mais, que o lisboeta era bairrista e na época em que não se podia discutir política abertamente, ou o que quer que fosse abertamente, ainda se encontravam motivos para sorrir, brincar e festejar.
Tudo dentro dos limites do decoro, claro.
O que é que mudou desde que o Evaristo droguista atirava latas de atum pela porta fora?
O lisboeta continua bairrista, conforme se pode mostrar pelas marchas populares. É vê-las a deslizar, e nem precisamos dos comentários em voz off para saber que Marvila e Alfama não se suportam – ou qualquer outra freguesia dentro de Lisboa. O povo continua pobrete, mas de alegrete cada vez tem menos porque as dificuldades apertam e os motivos para sorrir vão sendo cada vez menos. Qualquer dia estamos como o António Silva, n’O Costa do Castelo, a queixar-se que os sapatos se estão a rir. Haja alguém com vontade de rir, porque o tuga cada vez tem menos vontade de se rir.
Então o que mudou? O poder debater-se a política (mais) abertamente? E com que vantagens?
É engraçado como algumas expressões ficam. Ainda n’O Pátio das Cantigas, quem é que não se recorda da imortal cena do Vasco Santana, a cair de bêbado, a pedir lume ao candeeiro de rua? Ou a servir leite na sua loja a um cliente que lhe tinha pedido vinho, dizendo que “lá fora está escrito leitaria Estrela d’Alva, não é vinharia Estrela d’Alva!”
Não quero com isto dizer que o cinema português actual não preste. Eu é que nunca vi nenhum que chegasse aos calcanhares do antigo, mas isso sou eu. Quem é que se lembraria, nos tempos que correm, pôr o Vasco Santana a olhar para uma girafa e diagnosticar-lhe problemas de fígado devido às manchas da pele? Ou ver o António Costa a socorrer-se de mentira atrás de mentira para ir ao Porto ver um jogo de futebol, mentiras essas que acabam por vir atrás dele para Lisboa?
Impagável.
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