segunda-feira, 6 de junho de 2011

Simbiose



O que é melhor, ser-se mãe ou ser-se amiga? E poderemos ser um sem ser o outro?

Acredito na disciplina e na educação. Quando era pequena e apanhava uma bofetada da minha professora da primária, não contava em casa com medo de apanhar outra. Até porque conhecia o modo de pensar dos meus avós, “se apanhaste é porque alguma fizeste!”

O que encontrasse ao longo do meu percurso escolar, seria da minha responsabilidade. Se tirava boas notas, parabéns, é porque estudaste; se as notas eram más, a culpa era minha, que estava desatenta nas aulas e/ou não estudava o suficiente em casa.

Aprendemos a ser responsáveis quando nos responsabilizam pelos nossos feitos, a verdade é essa. Embora a vida não seja preta e branca, antes tenha várias tonalidades de cinzento, a verdade é que aprendemos a ser responsáveis nestas alturas.

Agora sou eu a mãe. E penso, como reagiria se o meu filho me chegasse a casa a dizer que tinha levado uma bofetada da professora? Teria de sopesar muito bem os prós e os contras, porque na verdade nem as criancinhas são anjinhos, nem os professores têm sempre cem por cento razão.

Mas sei que tenho de responsabilizar o meu filho pelos seus actos. De que outra forma ele se tornará num adulto responsável?

Será possível ser amiga do meu filho, e Mãe ao mesmo tempo? Sim, acho que sim. Desde que tenha consciência que amigos ele tem muitos, mas mãe só me tem a mim. E ele precisa da mãe em casa, porque amigos ele tem muitos lá fora.

Isto foi algo que tu nunca te consciencializaste. Sempre quiseste ser a amiga da tua filha, crendo que se tu aprendeste por bater com a cabeça na parede, ela fará igual. Não paraste cinco minutos para veres que ela não era igual a ti, que a ti foi ensinado o valor do trabalho e do sacrifício, e que tu não fizeste o mesmo por ela. Ela só conhece facilidades. Sacrifícios? Dificuldades? Porquê, se tu estás lá para resolver tudo com um beijo e um  “já passou” como se ela fosse um bebé de colo?

O que vai ser dela de hoje a amanhã, quando se descobrir sentada no chão com as duas mãos na cara? Não irá chorar muito mais? Quando descobrirem que tudo quanto fizeram ao longo dos ultimos anos foi um erro crasso, erro após erro após erro. Não faz mal se ela chorar hoje um bocadinho, faz mal é chorarem todos daqui a uns tempos e muito mais do que um bocadinho.

Sim, eu sei que sou inflexível e não perdoo facilmente. Nunca o fiz, não o ia fazer agora. É um defeito meu? É, eu sei que sim. Sei que sou rígida e inflexível em muitas situações, que não esqueço facilmente e que armazeno para memória futura. Mas também sei que tudo quanto previ relativamente a este assunto está-se a cumprir, e tu sabe-lo também. E acho que te aterroriza o facto de que o resto das minhas previsões se venham a cumprir também.

Não consigo ser falsa. Não consigo dizer alhos e bugalhos nas costas e depois pela frente desmanchar-me em sorrisos e amabilidades. Não possuo esta capacidade, feliz ou infelizmente. Quando não gosto, não gosto. Não consigo disfarçar. E tu sempre me criticaste essa característica, curiosamente quase ao mesmo tempo que a admiras. Em que ficamos? Admira-la ou teme-la?

Se tivesse de responder, assim de repente, diria que a temes. Temes que abra a boca quando tu estás tão ocupada a fingir.

Diz-me apenas uma coisa, o que é que achas que diz a respeito da personalidade de uma pessoa, quando um cão, meigo como o mel, que suportou maus tratos, que sempre se derreteu em amabilidades com tudo e todos, rosna e tentar morder pela primeira vez a alguém, alguém que nunca viu, e que esse alguém seja a mesma pessoa por quem todos sentimos um profundo desprezo? Só tu é que não vês o que ele é? Ou pela tua filha, finges que não vês? E a quem faz pior esse fingimento? Não é a mim, certamente, nem aos teus amigos, embora mal nos faça certamente. Mas o pior mesmo é a tua filha. A mesma a quem nunca preparaste para as dificuldades, a quem não podes ver de lágrimas nos olhos, de quem tu dizes, também tu a chorar, “Ninguém gosta mais da minha filha do que eu”. Acredito nisso. Sei que não há amor como o da mãe. Mas também acredito que nunca ninguém fez tanto mal à tua filha como tu.

A culpa não morre solteira nem é tua por exclusivo, pois ambas sabemos que existe um homem, que tinha o dever e a obrigação de zelar pela tua filha tanto quanto tu, e que não o fez. E isso apesar de viver convosco, de assistir dia após dia a muita coisa, e de se calar. Sim, a tua culpa é a dele: calaram-se e protegeram o que não tinha protecção possível. E transformaram o que podia ser uma rapariga saudável numa garota mimada e doentia nos seus afectos. Ela quer qualquer coisa, se não a obtiver, atira-se para o chão e chora. E qual é o resultado? Vão a correr fazer-lhe a vontadinha, coitadinha da menina que não pode ser contrariada. E admiram-se que ela tenha preferido os “Xutos e Pontapés” e a suposta festa de anos da suposta amiga em Évora ao aniversário do pai? E quando o pai, magoado no seu íntimo, recusa falar com ela ao telefone, a tua única atitude é encerrares-te no quarto a chorar baba e ranho porque ele está a ser injusto? E quando ela, pressentindo que enfiou o pé na argola, vem a correr por aí acima, gastando tempo e dinheiro, chega a casa e é recebida como a filha pródiga, a quem já só falta matar o bezerro, ou pelo menos a franga engordada, é recebida com ainda mais lágrimas e nada se passou? Vá lá vá lá que a menina não está aborrecida com o paizinho?

De quem é afinal a culpa de que ela não saiba fazer nada na vida dela? Que não saiba o que quer? E por favor, não me digam que sabe. A única coisa que ela sabe é manipular os outros para obter o que quer, porque de resto não faz ideia de como lutar, e então chantageia. Porque o que ela vos faz é chantagem. Chantagem emocional. E vocês permitem.

Isto não é uma relação normal, é uma relação de dependência, de simbiose. Não coexistem uns sem os outros, mas também não conseguem coabitar noarmalmente. É triste, se não for outra coisa.

Sempre tiveste a visão muito aguçada para os filhos dos outros, muito mesmo. E sabes? Tinhas razão em muitas das vezes em muito do que dizias. Do que me dizias. Reconheço-o. Não sou assim tão inflexível que não reconheça a razão quando com ela sou confrontada. Mas lamento tanto, tanto!, que não consigas ver o que tens em casa. Nunca conseguiste. E essa língua, tão viperina e rápida no que toca aos outros, aos filhos dos outros, fica misteriosamente muda no que à tua filha diz respeito. E ainda atacas quando alguém chama a criancinha à razão. Mesmo que esse alguém seja a família e só queira o bem dela, mesmo quando estão todos a dizer o mesmo e só tu achas que é assim. O mundo inteiro está errado? Só tu é que tens razão?

O que vai ser dela, quando tu fechares os olhos? Não viverás para sempre. Nem eu, nem ninguém. E depois de fecharmos os olhos, ela continuará a viver. Ela tem a vida toda à sua frente. Para trás tem uma vida mimada e desprovida de problemas. Uma vida de ouro, em que a única mancha foi provocada por ela e prontamente esquecida, prontamente apagada, porque a menina não pode chorar. Mas uma coisa te digo: mais vale ela chorar agora uns minutos, ou uns dias que seja, do que todos nós para o resto da vida.

Ela tem de aprender a lutar, e ela não o sabe; tem de aprender a defender-se, e não o sabe. Tu nunca lho insinaste, nunca lho incutiste. Crês sinceramente que ela aprenderá, como tu aprendeste? Era a essa dor que a devias tentar poupar, provocando-lhe dores menores. Como mostrares-lhe o inútil que ela persegue incessantamente. Como mostrares-lhe o que é realmente o amor. Pois até agora só mostraste o que é uma relação doentia e nada saudável.

Vocês vivem em simbiose com o que pensam que é, e não com o que realmente é. E quando não der para tapar mais o sol com a peneira, o que vão fazer? Sentar-se e chorar e lamentar pelo que podia ter sido?

Acordem enquanto ainda é tempo. Pois ainda não é tarde demais.

Ainda.

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