Parece que foi ontem que a minha avó me dizia: “Não se brinca com a comida!” Parece que a estou a ver, de mão na cintura, ar severo, postura zangada. E tudo porque eu estava a passear o peixe cozido de um lado para o outro no prato, sem vontade nenhuma de o levar à boca.
Hoje, quando dou conta, pareço a minha avó. Digo ao meu filho, com ar severo e dedo espetado no ar: “Não se brinca com a comida!” O estranho é que agora não é ao peixe cozido que não quero que se brinque. Eu detestava peixe cozido, o meu filho gosta imenso (sobretudo com molho de manteiga, alho e limão) – são daquelas coisas que eu não entendo! Do que ele não gosta, ou pelo menos aprecia menos, é da carne (não fosse cá por coisas diria que o rapaz tinha sido trocado na maternidade à nascença lol). Afasta a “xixa” para o lado com a ponta do garfo e atira-se ao acompanhamento (seja arroz, batata, massa, feijão, come tudo. A carne é que fica para mim).
Comentei esse facto com a pediatra, que me disse: “Faça brincadeiras com a comida!” Ò xô doutora, então e quem é que tira a imagem da minha avó da minha cabeça?? (“Não se brinca com a comida!”) Como é que eu posso fazer uma coisa dessas, enfeitar artisticamente o prato (“Não se brinca com a comida!”), fazer desenhos com a carne (“Não se brinca com a comida!”), quando tenho tão vívida a imagem da minha avó, de mão na anca e dedo espetado no ar?? (“Não se brinca com a comida!”)
Mas, abençoada seja a percepcão da senhora, ela percebeu. De alguma forma percebeu que eu tinha o “Não se brinca com a comida!” bem vívido na minha mente. Sorriu e disse:
- É rigorosamente o oposto do que lhe disseram quando era pequena, não é?
Tive de me rir. Ela tinha razão.
Mas parece que agora está na moda ensinar as crianças a comer verduras desenhando girassóis com os legumes e fingindo que o ovo estrelado é um sol.
A ver se nos entendemos: nunca conheci criança nenhuma que tivesse problemas em comer ovo estrelado, e além disso beterraba em forma de girassol continua a não ter paladar agradável. O problema, minha senhora, está no sabor, não na forma. Se a beterraba soubesse a snickers era ver os miúdos a fazerem fila. E os pais também.
Além de que o método da minha avó podia ser politicamente incorrecto, mas resultava (mão na anca, dedo espetado no ar e colher de pau pousada ao lado da criancinha embirrenta que não queria comer) e o facto é que todas as crianças que lhe passaram pelas mãos – e foram muitos pois ela foi ama durante muitos anos – gostam de vegetais. Podem não achar grande piada ao arroz de grelos, mas comem as saladas e os legumes cozidos – o peixe já é discutível, mas a mulher não era nenhuma milagreira. E hoje são eles próprios pais e ainda perguntam à minha avó: “Tem aí aquela colher de pau...?” O mais engraçado é que nunca vi aquela colher de pau em acção com ninguém. Saía da gaveta e voltava para lá sem nunca ter tido outro uso que não fosse o assustar.
Já este método moderno traduz-se em desenhos no prato e nas paredes, porque as crianças acham piada ao girassol e ao sol e levam lá os dedos. Quando dizem “ooops” é certo e sabido que tentaram limpar os dedos na parede ou no forro da cadeira. O método da minha avó podia ser pouco ortodoxo, mas resultava.
Perdoem-me os pedopsiquiatras, os pediatras e todos os outros cuja profissão termina em “atra” ou semelhante: mas ainda sou apologista daquilo a que chamo o método da avozinha. Tem resultados comprovadamente eficazes. Aliás, estou a pensar sugerir à minha avó que emoldure a colher de pau e ma empreste. Tenho lá em casa um miúdo que adora peixe cozido mas detesta “xixa”.
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