terça-feira, 24 de maio de 2011

Amor à Camisola



Eu sei – é uma expressão em vias de extinção. Hoje, conforme dizem os américos, money talks and bullshit walks. É mais ou menos o que se passa no futebol hoje em dia.

Outros falarão de tácticas, treinadores, etc..., até porque não me outorgo uma autoridade no assunto; sei ver se a equipa joga bem ou mal, se o árbitro é coxo ou simplesmente estúpido e já não é lisa.

Mas sei que houve um tempo em que a camisola que se vestia significava algo para alguém. O meu avô jogou, quando era novo, pelo Oriental – na altura estava na I Divisão, ou lá como lhe chamavam na época – e o seu coração batia ao ritmo do Oriental. Ele respirava Oriental por todos os poros.

Dinheiro? Já ia com sorte se lhes pagassem o lanche e tinham de ser eles a arranjar-se com o equipamento. Mas não falhavam um treino e comiam a relva para ganhar ao adversário. Atirar-se para o chão? Provocar faltas? Que era lá isso? Tinha era de se jogar, marcar golos, levar o público ao rubro.

Devia ser da fome que grassava na altura. Havia a guerra a decorrer lá fora e a comida estava racionada. Com as barrigas grávidas de fome, ou simplesmente enfiadas para dentro, com a fome escrita na cara, comiam a relva para proporcionar espectáculo, para jogar cada vez mais e melhor, para levar o seu clube mais além. Nem se falava em mudar de clube, porque aquele era o clube do seu coração.

Hoje ganham-se somas fabulosas e não jogam. A relva continua intacta, os clubes fornecem equipamentos, cada vez melhores e mais leves, e as bolas já não pesam uma tonelada como no tempo do meu avô. Os estádios estão vazios, o público está cansado e um jogador troca de clube tantas vezes quantas as que conseguir para melhorar a sua conta bancária.

Amor à camisola é coisa que já não existe. O meu avô era capaz de morrer outra vez se visse isto hoje. Como eu me recordo de ele me chamar para o pé de si e dizer, “no tempo do avô havia fome, mas havia alegria e jogava-se por gosto”.

Não é o caso, avô. Essa época já passou. E se houver alguém que no Oriental se lembre de ti, só não te dirigiu uma estátua igual à do Eusébio porque os tempos do Oriental há muito passaram e já há muito tempo que não está na I Divisão. Há décadas, na verdade.

É como o amor à camisola: uma pálida recordação.

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