terça-feira, 31 de maio de 2011

O Estado da Saúde - Parte I



Se há coisa que me orgulho é de me levantar de manhã cedo para ir trabalhar. O mês pode correr melhor ou pior, o ordenado pode ser uma treta, mas o que tenho foi esforçado e por isso mesmo valorizado. Todos os meses vejo sair-me do ordenado uma grossa fatia que supostamente vai para a Segurança Social e que supostamente serve para garantir os supostos serviços mínimos de saúde.

Supostamente.

Tenho uma médica de família, que já era médica do meu marido há mais anos do que aqueles que ele se lembra, e que ficou também minha médica e médica do meu filho. Coisa curiosa: em dois anos de vida que aquela criança tem, só houve UMA única vez em que a senhora doutora apareceu para dar consultas. De todas as outras, estava doente, de baixa, ou pura e simplesmente não se dava ao trabalho de inventar desculpas para não ir trabalhar. Diziam-me, “volta cá amanhã e fale com a Drª”. E eu ia, e quando efectivamente aparecia, muitas vezes recusava-se a atender o meu filho porque já tinha dado ou já tinha marcadas as 12 consultas do dia e não estava para se cansar muito (palavras suas!) E quem quisesse que se arranjasse. E que se lixasse o facto de eu andar há uma semana a faltar ao trabalho para ir com o meu filho ao médico!

Isto realmente há trabalhos e há empregos. Eu tenho de me levantar às seis e meia da manhã para ir trabalhar todos dias, para levar um ordenado que vê mais cortes do que dinheiro entrar porque a mim descontam cinco minutos de atraso; e a xô doutora, funcionária pública, falta quando quer, ou por outra, vai trabalhar quando quer, porque não está para se cansar!

E no meio disto tudo, quem é que fica entalado? Eu adorava dizer que era o mexilhão, mas esse ao bulhão pato fica uma maravilha. É mesmo o povo, que desconta balúrdios para serviços que nunca tem! E o que diz o Ministério da Saúde a isto? Nada!

Rico tacho, xô doutora! Só tenho pena que não se queime!

E vamos lá a ver se amanhã a xô doutora aparece. Porque se aparece e não me atende, ou se não aparece, então alguém vai ter sarna para se coçar! E há-de ir desde o (su)posto médico até ao Ministério da Saúde!

Nos intervalos, o meu filho continua a precisar da consulta, portanto já que ele é português, filho de pais portugueses, que trabalham e descontam, e teve avós mortos na batalha de Aljubarrota, agradeço que tenham consideração e garantam os serviços mínimos em vez de andarem a distribuir RSI a quem não quer fazer nenhum e passa o dia nos cafés.

Comentários Espirituosos



Ou, conforme eu gosto de dizer, uma bela oportunidade de ficar calado. Às vezes ouço cada uma que mais parecem duas.

Senão vejamos:

* A minha avó foi passar uns dias comigo; cada vez que eu metia a chave à porta para entrar em casa, ela perguntava: “Já cá estás?” (!!!!)
* O meu marido uma destas noites estava com dificuldades em adormecer, então, abana-me para me acordar e pergunta: “Amor, estás a dormir?” (Agora já não, palerma!!!)
* O meu filhote estava adoentado e regurgitou o almoço. Pergunta: “Será que ele está maldisposto?” (Nãããããããããããããoooooooo, tá lá agora!!!!!).
* Estive muito tempo no bloco de partos. 26 horas para ser mais exacta. De meia em meia hora, a minha avó perguntava se eu “já estava despachada”. E o meu marido respondia, “não avó, ainda não”. E ela ficava toda contrariada e resmungava: “Tanto tempo...” (Esta para mim continua a ser a melhor de todas; falta de educação a minha ficar 26 horas em trabalho de parto só para me divertir!)

Daaahhhh...

Pobrete mas Alegrete



Impagável, até hoje, a expressão: “Ò Evaristo tens cá disto?”

Quem não conhece este belo exemplar da comédia portuguesa, não sabe o que perde. Já era velho quando eu nasci e não foi rejuvenescendo com o tempo; fizeram uns retoques digitais que vá lá vá lá melhoram a qualidade de imagem e som, mas continua a ser um filme com um encanto próprio.

Um encanto próprio a preto e branco, subentenda-se. No dia em que algum iluminado se lembrar de lhe adicionar cor devia ser apedrejado em praça pública, porque o seu a seu dono, e se o filme nasceu assim, não devia ser adulterado.

Podiam dizer que havia censura, havia a tentativa de passar a imagem de um povo “pobrete mas alegrete” e que aproveitava todas as épocas e mais alguma para festejar. Mais, que o lisboeta era bairrista e na época em que não se podia discutir política abertamente, ou o que quer que fosse abertamente, ainda se encontravam motivos para sorrir, brincar e festejar.

Tudo dentro dos limites do decoro, claro.

O que é que mudou desde que o Evaristo droguista atirava latas de atum pela porta fora?

O lisboeta continua bairrista, conforme se pode mostrar pelas marchas populares. É vê-las a deslizar, e nem precisamos dos comentários em voz off para saber que Marvila e Alfama não se suportam – ou qualquer outra freguesia dentro de Lisboa. O povo continua pobrete, mas de alegrete cada vez tem menos porque as dificuldades apertam e os motivos para sorrir vão sendo cada vez menos. Qualquer dia estamos como o António Silva, n’O Costa do Castelo, a queixar-se que os sapatos se estão a rir. Haja alguém com vontade de rir, porque o tuga cada vez tem menos vontade de se rir.

Então o que mudou? O poder debater-se a política (mais) abertamente? E com que vantagens?

É engraçado como algumas expressões ficam. Ainda n’O Pátio das Cantigas, quem é que não se recorda da imortal cena do Vasco Santana, a cair de bêbado, a pedir lume ao candeeiro de rua? Ou a servir leite na sua loja a um cliente que lhe tinha pedido vinho, dizendo que “lá fora está escrito leitaria Estrela d’Alva, não é vinharia Estrela d’Alva!”

Não quero com isto dizer que o cinema português actual não preste. Eu é que nunca vi nenhum que chegasse aos calcanhares do antigo, mas isso sou eu. Quem é que se lembraria, nos tempos que correm, pôr o Vasco Santana a olhar para uma girafa e diagnosticar-lhe problemas de fígado devido às manchas da pele? Ou ver o António Costa a socorrer-se de mentira atrás de mentira para ir ao Porto ver um jogo de futebol, mentiras essas que acabam por vir atrás dele para Lisboa?

Impagável.

Descoberta do Século



Eu sei – é fantástico. Descobri finalmente a utilidade do sexo oposto! Numa altura em que as mulheres trabalham, criam os filhos sozinhas e cuidam da casa, o homem começava a sentir-se obsoleto. É certo que é sempre agradável dar umas voltinhas com eles, e a dois é sempre muito mais divertido, mas depois havia aqueles que se queixavam que ainda nem tinham tido tempo de sentar o rabo no sofá e pedir a cerveja, e já estavam a ser corridos – depois do servicinho, entenda-se.

As empresas de água engarrafada encarregaram-se de resolver a situação. Dimuiram o tamanho das tampas de plástico, de forma a que uma mulher não a consiga abrir sem partir uma unha. Resultado, vai à procura do primeiro macho disponível e diz-lhe com um sorrisinho:

 - Importas-te de me dar aqui uma mãozinha? Estas coisas não são particularmente ergonómicas...

Qual é o homem capaz de resistir a tamanho pedido? Sobretudo porque a mulher já confessou ser ergonomicamente incapaz de abrir a dita cuja garrafa. Portanto, nem que se esfole todo, vai abrir a garrafa. E no fim, com um sorriso suado do esforço, diz:

- Isto antigamente era mais fácil...

Pois, fofos! Antigamente não partíamos uma unha a abrir garrafas, portanto não pedíamos ajuda. Agradeçam às companhias de água engarrafada. Ainda podem dar asas ao vosso proteccionismo masculino.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Amor à Camisola



Eu sei – é uma expressão em vias de extinção. Hoje, conforme dizem os américos, money talks and bullshit walks. É mais ou menos o que se passa no futebol hoje em dia.

Outros falarão de tácticas, treinadores, etc..., até porque não me outorgo uma autoridade no assunto; sei ver se a equipa joga bem ou mal, se o árbitro é coxo ou simplesmente estúpido e já não é lisa.

Mas sei que houve um tempo em que a camisola que se vestia significava algo para alguém. O meu avô jogou, quando era novo, pelo Oriental – na altura estava na I Divisão, ou lá como lhe chamavam na época – e o seu coração batia ao ritmo do Oriental. Ele respirava Oriental por todos os poros.

Dinheiro? Já ia com sorte se lhes pagassem o lanche e tinham de ser eles a arranjar-se com o equipamento. Mas não falhavam um treino e comiam a relva para ganhar ao adversário. Atirar-se para o chão? Provocar faltas? Que era lá isso? Tinha era de se jogar, marcar golos, levar o público ao rubro.

Devia ser da fome que grassava na altura. Havia a guerra a decorrer lá fora e a comida estava racionada. Com as barrigas grávidas de fome, ou simplesmente enfiadas para dentro, com a fome escrita na cara, comiam a relva para proporcionar espectáculo, para jogar cada vez mais e melhor, para levar o seu clube mais além. Nem se falava em mudar de clube, porque aquele era o clube do seu coração.

Hoje ganham-se somas fabulosas e não jogam. A relva continua intacta, os clubes fornecem equipamentos, cada vez melhores e mais leves, e as bolas já não pesam uma tonelada como no tempo do meu avô. Os estádios estão vazios, o público está cansado e um jogador troca de clube tantas vezes quantas as que conseguir para melhorar a sua conta bancária.

Amor à camisola é coisa que já não existe. O meu avô era capaz de morrer outra vez se visse isto hoje. Como eu me recordo de ele me chamar para o pé de si e dizer, “no tempo do avô havia fome, mas havia alegria e jogava-se por gosto”.

Não é o caso, avô. Essa época já passou. E se houver alguém que no Oriental se lembre de ti, só não te dirigiu uma estátua igual à do Eusébio porque os tempos do Oriental há muito passaram e já há muito tempo que não está na I Divisão. Há décadas, na verdade.

É como o amor à camisola: uma pálida recordação.

domingo, 22 de maio de 2011

Do Alentejo Com Amor


Recebi este email, não sei de quem é a autoria, mas gostei tanto que achei por bem partilhar aqui, porque subscrevo a cem por cento.

Ora vejamos:

A RAÇA DO ALENTEJANO
Como é um alentejano?
É, assim, a modos que atravessado.
Nem é bem branco, nem preto, nem castanho, nem amarelo, nem vermelho....
E também não é bem judeu, nem bem cigano.
Como é que hei-de explicar?
É uma mistura disto tudo com uma pinga de azeite e uma côdea de pão.

Dos amarelos
, herdámos a filosofia oriental, a paciência de chinês e aquela paz interior do tipo "não há nada que me chateie";
dos pretos
, o gosto pela savana, por não fazer nada e pelos prazeres da vida;
dos judeus
, o humor cáustico e refinado e as anedotas curtas e autobiográficas;
dos árabes
, a pele curtida pelo sol do deserto e esse jeito especial de nos escarrancharmos nos camelos;
dos ciganos
, a esperteza de enganar os outros, convencendo-os de que são eles que nos estão a enganar a nós;
dos brancos
, o olhar intelectual de carneiro mal morto;
e dos vermelhos, essa grande maluqueira de sermos todos iguais.

O alentejano, como se vê, mais do que uma raça pura, é uma raça apurada.

Ou melhor, uma caldeirada feita com os melhores ingredientes de cada uma das raças.
Não é fácil fazer um alentejano.
Por isso, há tão poucos.

É certo que os judeus são o povo eleito de Deus.
Mas os alentejanos têm uma enorme vantagem sobre os judeus:

n
unca foram eleitos por ninguém, o que é o melhor certificado da sua qualidade.

Conhecem, por acaso, alguém que preste que já tenha sido eleito para alguma coisa?
Até o próprio Milton Friedman reconhece isso quando afirma que
«as qualidades necessárias para ser eleito são quase sempre o contrário das que se exigem para bem governar».

E já imaginaram o que seria o mundo governado por um alentejano?
Era um descanso
.. 

Subscrevo.

Inteiramente.

Democracia Pedagógica ou Pedagogia Democrática?



Quem viu o debate entre Paulo Portas e Francisco Louçã deve ter reparado logo num pormenor gritante: nenhum dos cavalheiros falou em Democracia Pedagógica, ou Pedagogia democrática, ou lá como lhe queiram chamar. Pode-se avançar com muitas teorias – o tempo era curto, havia outros assuntos na mesa, etc... para mim, o motivo foi claro: como nenhum sabe o que raio aquilo quer dizer, nem mencionaram, com medo que a jornalista lhes pedisse para definirem o conceito e assim esclarecessem o país.

Centraram-se então nas reformas de 185, 225 e 250 euros, que era um afronto à dignididade humana (palavras minhas, claro; o mais que os ouvi dizer foi que as pessoas tinham dificuldade em viver com estes valores. Tenho uma novidade para vocês, iluminados: as pessoas não têm dificuldade em viver com estes valores, as pessoas passam fome, não compram medicamentos e vivem barracas – em suma, não vivem, sobrevivem e mal). E depois foram para o outro extremo, que na opinião deles era 1500 euros. Conquanto concorde que existem pais de família que não levam, a trabalhar, estes valores para casa, tenho outra pergunta que nenhum deles se lembrou de colocar ao adversário (?): então e as reformas milionárias daqueles palhaços velhos que continuam a ocupar cargos públicos, que são professores, doutores e o diabo a quatro mas têm dificuldade em escrever o próprio nome – em letra legível pelo menos – mas que continuam no activo? Ou aqueles que, além do ordenado mensal, ainda recebem de outros lados onde durante o mês inteiro não puseram os pés? Assim de repente, lembro-me de nomes sonantes que leccionam nas Universidades (públicas ou privadas, não interessa), mas que mandam os seus assistentes darem as aulas porque estão presos no trânsito, no hospital, no tribunal, no sofá a dormir uma soneca. Eu própria fui aluna de um nome muito sonante da gíria médica, e se vi o homem duas vezes nas aulas foi muito. E claro que nunca fazia as duas ou três horas de calendário, quando fazia uma e meia já nos consideravamos sortudos. Em compensação, fiquei a conhecer bastante bem o assistente dele, que vinha dar as aulas porque o Senhor Professor Doutor estava muito ocupado e não podia.

Acúmulo de cargos??? Nãããããããããããããããoooooooooo!!!!!!!

Voltando ao debate político, numa coisa eu concordo com os cavalheiros: sem se cortar na despesa não se vai longe. Completamente certo. Mas será que algum dos iluminados avançou com uma sugestão concreta? Claro que não! Porque é que haveriam de sugerir cortas no séquito de acessores, motoristas, etc...? Porque é que haveriam de passar a andar de transportes públicos? Resolvia-se logo o problema da velhinha de muletas de pé, porque por um lado não é bom para a imagem ir sentado enquanto um eleitor vai de pé, e depois porque com os Senhores Doutores a andarem de transportes de certeza que a Carris punha mais autocarros nas estradas, a CP mais comboios e só não falo no Metro porque nesta desgraçada cidade ainda são os mais cumpridores. Lá porque o país está na bancarrota, haviam de passar sem as suas comodidades? Deus nos livre!

Já sei que ninguém me encomendou o sermão, mas eu vou pregá-lo na mesma, primeiro porque não estou à espera de autorização de ninguém e segundo porque gosto de ouvir o som da minha voz – não pecisam de agradecer, é de borla e é de vontade! Muito boa vontade, mesmo.

Então aqui vai: deixem-se de palavreado caro e oco, porque metade do país é demasiado inculto ou envelhecido para vos entender, cortem nas vossas mordomias, deixem de deitar dinheiro à rua e façam-se úteis, para variar! Em vez de andarem a distribuir canetas ou chouriços em época de eleições, em vez de andarem a abrir buracos  em estradas que há um ano foram esburacadas e depois remendadas, façam o trabalho com cabeça, tronco e membros! Cortem nos comícios – e não me venham dizer que os fundos são privados porque nisso não acredito eu nem vocês – cortem nos séquitos, e ouçam o que as pessoas têm para dizer!

E ponham ponto final às mordomias dos ex-Presidentes da República! Um Presidente dos EUA que queira protecção após o término do seu mandato, paga-a do seu bolso. Porque haverão os importantões do lado de cá do oceano, nesta importantíssima potência mundial que é Portugal, de ser mais que os outros e continuar a ter segurança paga pelo povo, polícia à porta e carros pagos por todos nós? Ando eu enlatada no autocarro para outros andarem a pavonear-se (ou às mulheres, ou às amantes, ou aos filhos) num carro pago por mim?! 

E se não me ouvirem a mim, ouçam as palavras do imortal Eça de Queiróz, n’Os Maias, na boca do incorrigível Ega: “Um partido está no Governo e a Oposição passa a vida a criticar o seu trabalho, embora reconheça o mérito nas cabeças pensadoras governamentais; o governo muda, a oposição passa para governo, e o governo passa a oposição. Passam a vida a criticar-se uns aos outros, embora todos reconheçam que do outro lado estão grandes cabeças pensadoras. De resto, todos concordamos que o país está na choldra!”

(Adaptação livre. Já li Os Maias pela última vez há doze anos e embora consiga dizer com precisão a cor das meias do Carlos da Maia na noite do jantar do Hotel Central, não me lembro dos diálogos todos, mas a ideia é esta).

Afinal, o que é que ganhámos com cem anos de República? (E recordo que quando Os Maias foram escritos, o rei estava vivo, de saúde e recomendava-se, muito obrigado).

Mudaram as moscas. Nada mais.

sábado, 21 de maio de 2011

Parabéns, meu amor


Era uma vez uma jovem estudante que trabalhava em part-time. Uma jovem que se levantava às seis e um quarto da manhã e só ia para a cama muito para lá da exaustão, pois entre os estudos e o trabalho mal tinha tempo para comer.

E de quando em vez, ia comer fora. E um dia, mudou de restaurante onde ia almoçar.

E assim te conheci, meu amor. Hoje o meu amor fez anos e mudou a década. É uma passagem que marca indelevelmente, sem dúvida.

Meu amor, digo-te muitas coisas ao longo do dia, e sei que te digo "amo-te". Mas dir-te-ei vezes suficientes?

Hoje agradeci-te em privado por teres feito de mim uma mulher feliz, por me teres dado um filho lindo e me estares a ajudar a criá-lo. Mas será que to digo vezes suficientes?

Agradeço a Deus todos os dias o destino que me fez mudar de restaurante, um dia. Mesmo quando arrepelo os cabelos, quando me levas à lua com algum disparate malandro, mesmo assim, digo e reafirmo que te amo.

Parabéns, meu amor.


PS - No dia em que fizeres cem anos, pegas fogo ao bolo lol.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Manhã Submersa



O frio aperta na manhã cristalina. Ou talvez seja o calor que espeta as suas garras impediosas logo às oito da manhã.

Das portas dos prédios saem formiguinhas apressadas, em direcção às creches, às escolas ou simplesmente aos empregos.

A maioria acumula-se nas paragens, enquanto outros se dirigem aos respectivos carros.

Parada, à espera daquele monstro gigante da Carris que me há-de conduzir à minhoca gigante do Metro, olho em volta na paragem. Não vejo meio termo. Passamos da avozinha de muletas para o jovem de mochila às costas e ar ensonado. Eu sou das poucas pessoas da minha idade que vai de autocarro. E mesmo assim, o autocarro vem cheio. Dou passagem à avozinha de muletas, o jovem de mochila dá-me passagem a mim. Os lugares reservados a deficientes físicos estão ocupados por jovens com mochilas ou gente demasiado casmurra para ver que ali não pertence. Como fingem adormecer, seguro no braço da avozinha e pergunto em alto e bom som:

- Não se importa de dar lugar a esta senhora?

Por vezes levantam-se, outras ainda me olham com insolência. E a estes reitero:

- Eu sei que esses lugares são reservados aos deficientes, mas esta senhora não pode ir de pé e uma deficiência mental sempre se equilibra melhor numa curva do que uma muleta.

A senhora senta-se agradecida e com ar cansado, mas eu já fiz um inimigo. Ainda são só oito da manhã.

Chego ao metro e vou ensanduichada até ao meu destino. Quando lá chego, tenho de apanhar outro autocarro. Vejo uma paragem dupla, cheia de gente, e olho para o mostrador luminoso, que contra o que é costume até está a trabalhar. Diz que já só faltam dois minutos para o próximo autocarro, mas eu não acredito, até porque já ouço dizer nas paragens:

- Está assim há dez minutos. E nunca mais vem.

E quando efectivamente vem, está a rebentar pelas costuras. Porque retiraram autocarros a todas as carreiras, porque fizeram greve às horas extra, porque se estão pura e simplesmente nas tintas para quem compra passe. Só consigo entrar por trás, e isto se o motorista for simpático e compreensivo e abrir as portas de trás. Alguns até chegam o autocarro à frente para que a porta de trás fique acessível a todos. Tão fofos!

Quando chego ao meu destino final, o autocarro parece vomitar gente e de ir à pinha, passa a vazio, só com um formiguita perdida ou outra lá dentro. E diz uma senhora com ar cansado:

- Quando as aulas acabarem, isto muda tudo e passamos a ir mais à vontade.

O que essa senhora não entende é que assim que as aulas acabarem, a Carris passa a horário de Verão no próprio dia, pois parece julgar que apenas os estudantes compram passe. E vamos continuar a andar apinhados no autocarro porque não vão ter consideração suficiente para reforçar as carreiras à hora de ponta.

E falam de crise tão livremente como um mercador debate preços na feira. Falam de crise e cortam nos autocarros, mas andam em brutos carros, e temos um Director de uma DGV a ser apanhado a 220 km/h numa ponte, apenas porque o carro não foi feito para andar devagar. Temos fundações, que ninguém percebe para que servem, mas que existem a sugar o dinheiro ao Estado como um bebé suga o leite.

Mas que importa tudo isto, desde que caiba mais uma mosca dentro do autocarro? Enquanto houver espaço no autocarro para se enfiar mais uma pessoa nem que seja à força de abre latas, continua-se a cortar nos autocarros e a aumentar o preço dos passes.

O que interessa se a velhinha de muletas vai em pé?

Movimentar a Economia



Hoje passei grande parte do dia “a encher chouriços”. Que é como quem diz, a pôr em dia o trabalho secante que vai ficando para trás porque é uma boa cura para as insónias.

Tive tempo para pensar em tudo, enquanto entrava em piloto automático e resolvia os pendentes. Reflecti na chatice que foi para Portugal a morte do rei D. Sebastião, no difícil que devia ser escrever uma carta no Egipto antigo, na morte da bezerra, questionei-me (talvez pela milionésima vez) porque motivo Deus castigou a mulher com o período, os partos e os homens, que têm o descaramento de nascer sem manual de instruções.

Depois destes pensamentos profundos, comecei a divagar.

Um amigo meu disse hoje que, ao telefonar-mos para uma linha de apoio, estávamos a movimentar a economia. Dávamos trabalho ao moçoilo (ou moçoila) do call centre, punhamos uma questão digna de atazanar a supervisão e a supervisão da supervisão, e eram pelo menos mais três pessoas que nao iam para o desemprego – e tudo com uma só chamada.

Por profundo que este pensamento seja, tenho outros. Não tenho tempo para ir às compras, então, faço a encomenda pela net. Alguém escolhe e ensaca as coisas, alguém mas vem trazer a casa e tira das caixas de segurança, e caso não haja algum produto telefonam a perguntar se querem que substituamos por outros e até dão alternativas (que fofos). Dei ou não dei emprego a alguém? E não me chateei com bichas no supermercado ou a empurrar o carrinho de lado para Pilatos.

Movimentei ou não a Economia?

Apetece-me uma pizza. Pego no telefone e alguém me atende. Faço a encomenda e passado algum tempo tenho a pizza em casa. Alguém teve de a cozinhar e alguém ma veio trazer a casa. Dei emprego a alguém.

Movimentei ou não a Economia?

Vou ao estádio assistir a um jogo de futebol, ver o meu grande Benfica. Para entrar, tenho de pagar bilhete, a menos que consiga que algum importantão do futebol me adopte como afilhada (se alguém estiver interessado, o lugar está vago!!!!) Compro um cachorro quente (regra geral está morno) e um cachecol. Em seguida, tenho 90 minutos de catarse autêntica, onde exalo os maus fígados da semana por todos os poros, purificando o organismo. Chamo tudo ao árbitro menos pai; chego inclusivamente a insinuar que a mãe do senhor tem uma profissão isenta de impostos (para usar as palavras do imortal Ricardo Araújo Pereira); se a equipa joga bem, ah ganda malta, assim é que é, força nisso, só mais um. Se a equipa joga mal, ah seus coxos, a minha avó de andarilho corria mais. Com estes e outros mimos, consigo exteriorizar a frustração de uma semana de trabalho, saio do estádio limpa, toda contente se a equipa ganhou, danada da vida se perdeu, e em qualquer um dos casos o árbitro continua a ter a culpa.

Movimentei ou não a Economia?

Bem, aqui talvez não tanto assim, mas não faz mal, porque sei que fui económica na mesma ao não me deitar no divã de um psicanalista qualquer que acha que a associação de ideias é uma coisa excelente, e uma pessoa anda 20 anos a deitar-se no sofá e a pagar um balúrdio por uma soneca.

A Paixão (segundo Nicolau Viola)



Quem não conhece esta música do Rui Veloso? Tem quase tantos anos como eu, mas ainda se houve muitíssimo bem. No entanto, pela primeira vez, fiquei a pensar enquanto a ouvia.

            Porque havia alguém de querer mudar a pessoa que ama? Quando se apaixonou por aquela pessoa, não sabia como ela era? Porque há-de querer então moldá-la, treiná-la aos seus gostos?

            Eu gosto de ouvir a chuva a cair, de paisagens campestres, de uma boa bavaroise e de ler. Se namoro com uma pessoa que gosta de sol, de praia, de baba de camelo e de ouvir música, porque hei-de tentar moldá-lo à minha imagem? Não sabia já como essa pessoa era quando comecei a namorar com ela? Provavelmente não. Ter-me-ei dado sequer ao trabalho de a tentar conhecer?

            Ou voltamos ao conceito de máscara? E a pessoa com quem namoramos induziu-nos a pensar que era de uma determinada maneira e depois revelou-se outra completamente diferente? E nesse caso, o erro parte de quem mente ou de quem tenta moldar a pessoa àquilo que gostaria que fosse, em vez de aquilo que realmente é?

Fica a questão.

O Orgulho em Ser Português



Conheço um país que recebe dinheiro para nada fazer dos seus férteis campos. Quilómetros de paisagem que em tempos esteve cultivada, e que poderia alimentar todo o país, está ao abandono. Não há trabalho, não há dinheiro e famílias há que não têm que comer.

Conheço um país, com uma extensa costa marítima, que recebe dinheiro para não pescar. Vêm barcos de toda a Europa para pescar nas nossas águas, mas o português tem de estar quieto. Não há trabalho, não há dinheiro e famílias há que não têm que comer.

Conheço um país que recebe de braços abertos tudo quanto é imigrante. Não interessa se é louro de olhos azuis, ou negro como um tição. A todos recebe e a todos põe a trabalhar nas obras, com salários muitas vezes abaixo dos mínimos.

Conheço um país que obriga os seus trabalhadores a descontarem enormidades, que têm uma carga fiscal exagerada, e que mesmo assim aumenta os impostos a um ritmo semestral.

Conheço um país que, embora tenha a população envelhecida, corta nos abonos de família, retirando o pouco que as famílias ainda tinham.

Conheço um país que quer que os trabalhadores façam horas extra sem as receberem.

Conheço um país que abre os braços à corrupção, e cala as vozes honestas.

Conheço um país onde diariamente se fala de “pedagogia democrática”, sem que ninguém saiba o que é pedagogia ou onde anda a democracia.

Conheço um país que vota os seus ao abandono, onde um polícia vai preso porque disparou no cumprimento do dever, ou um professor é agredido por uma criança, ou pelo progenitor da criança, apenas porque expulsou o aluno da aula ou tentou impôr a ordem.

Conheço um país que permite que buracos sejam feitos na rua, exactamente no mesmo sítio, exactamente a um mês das eleições, ciclo eleitoral após ciclo eleitoral.

Conheço um país que permite que um casal que viva numa vivenda com dois andares, dois carros na garagem e um barco de recreio vá pedir comida à AMI apenas porque são amigos do presidente da Junta, que lhes passou um atestado de pobreza.

Conheço um país que permite que uma criança portuguesa, filha de pais portugueses, que pode traçar a sua geneologia até à batalha de Aljubarrota, fique sem assistência médica porque ao médico de família não apeteceu trabalhar e falta quatro dias em cada cinco.

Conheço um país que, quando recebe uma queixa de recusa de atendimento no posto médico da Caixa, arquiva a queixa porque a médica já tinha atendido os 15 doentes que tinha marcados para aquele dia e não era obrigada a atender mais.

Conheço um país que prefere que um adolescente passe os meses de Verão no marasmo, porque se o jovem quiser ir trabalhar, perde o pouco abono que recebe.

Conheço um país que tem uma história rica, mas um presente pobre e um futuro miserável.

Conheço um país que, após décadas de ditadura, entrou numa democracia periclitante com os cofres cheios; passados quase quarenta anos, tem os cofres vazios e com teias de aranha.

Este país é Portugal. Com uma classe política que se virou contra os portugueses, que vem de chapéu estendido em altura de eleições, mas que vira costas à população. Um país que permite a instalação de guetos cromáticos para melhor acentuar diferenças. Um país que já perdeu todo e qualquer direito a exigir coisas aos portugueses, mas que mesmo assim o continua a fazer apenas porque sim.

E numa altura em que ainda há quem se recorde do valor do escudo, cada vez mais o euro é posto em causa, e cada vez mais temos profissionais da política em vez de políticos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Não há Estrelas no Céu

     

         Em noites nubladas ou límpidas, é difícil perscrutar os céus com atenção. As luzes das cidades obnubilam e escondem o brilho dos pontinhos coloridos.

Para mim existe uma estrela na terra. Um Estrela, para ser mais exacto. E marcou de tal forma a minha vida, e é tão importante para mim, que dei o seu primeiro nome ao meu filho. E cada um à sua maneira, tornaram-se na constelação que rege a minha vida. Um, porque me ensinou a ser adulta, responsável e trabalhadora e me ensinou o valor do trabalho, o que é bastante mais significativo do que se me tivesse deixado uma herança em testamento. Pois se deixamos que o trabalho nos escape hoje, quem nos diz que amanhã, quando o buscarmos, ele não nos fugirá? E mesmo assim não é certo. O outro, porque me converteu em mãe e preencheu os meus dias com sorrisos e pintou os meus dias de ouro. Cada dia é precioso, e até as noites insones são importantes pois são mais uma etapa nesta grande missão.

            Meu pequenino, meu bebé, estás a crescer e a tornar-te um rapazinho traquinas, criado no amor ao próximo e com amor pelos animais. És a estrela mais brilhante da minha constelação, aquela que me rege e guia na minha vida.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Tributo ao Kappa


Esta homenagem foi feita pelo Igor a um membro da nossa família. Um membro canino, mas um membro presente. Esteve cá sempre, nos bons e maus momentos. Era meigo e terno para com as crianças, e tinha uma verdadeira paciência de santo, mesmo quando estava rodeado delas.

Era ferozmente protector. Protegia não só a família, mas os pequeninos também. Fossem humanos ou caninos, bastava, no seu coraçãozinho generoso e enorme, achar que estavam indefesos, para se colocar em risco para os defender. Fez isso um dia no parque, quando viu um Pitt Bull vir ao longe, e três cachorrinhos com mês e meio a brincar na relva.

Era um cão bom, generoso e meigo, um verdadeiro amigo. Não merecia o fim que teve. O cancro foi galopante, e disseminou-se rapidamente. A decisão de lhe dar paz foi a mais difícil que alguma vez tivemos de fazer.

Kappa, meu Kappa, estás hoje e sempre no nosso coração.

Beautiful Stranger



Tirando uma visão ocasional desse monumento ao macho latino Zezé Camarinha, a maioria das pessoas olha para os estrangeiros e vê um “bando de cámones armados aos cágados a falar uma língua estranja qualquer só p’ra s’armarem em bons” (Ouvi esta uma vez no metro, em Lisboa).

Depois temos aquele génio da publicidade que iniciou a campanha Allgarve (acho que D. Afonso Henriques deu umas quantas voltas no túmulo, pois andou a vida toda a tentar lá chegar e agora até insultam a região) a reafirmar que Portugal é um país que recebe os seus convidados de braços abertos, eu pergunto, enquanto passeio a vista pela paisagem deserta da lezíria alentejana:

- E tivemos escolha?

Onde antigamente se erguiam altaneiras as searas, reinam as ervas daninhas, quando não é o cinzento dos incêndios. Onde antigamente se viam os barcos virem carregados da faina, temos o peixe a preços caríssimos vindos sabe-se lá de onde mas de Portugal não deve ter sido com certeza. Onde antigamente passavámos pelos pomares e crescia-nos água na boca só com o cheirinho da fruta a amadurecer ao sol, agora vemos acres de terreno vazio e votado ao abandono – e se quisermos fruta temos de ir ao supermercado, pagá-la a preços inflaccionados e que não sabem a nada, mas que vêm de todos os lados menos de Portugal. Até as laranjas!

Se não for o “cámone estranja” a deixar cá o euro, quem é que o vai deixar, quando os políticos, ou melhor, os chupistas que fazem alternadamente de Governo e Oposição (como se não comessem todos do mesmo prato) são pagos para não fazer nada, para suspender a produção? E o ridículo é que não seriam aqueles rabos engravatados a levantarem-se das suas confortáveis cadeiras e a pôr a mão na massa, ou melhor, na enxada.

Produz-se excesso de leite nos Açores. Excesso de leite que podia ser exportado, ou convertido em iogurtes, manteigas e etc... E o que se faz? Multa-se o produtor, que não tinha nada que vir concorrer com aqueles produtos importados sabe-se lá de onde, que não sabem a nada mas que a União Europeia acha por bem que se venda cá porque não encontram ninguém suficientemente estúpido para empadeirar a coisa. Para além do Português, claro está.

Rica Mulher ou Mulher Rica?



Recessão. Endividamento. Desemprego.

O perigoso RED. Está a crescer de tal forma no país, que dificilmente se poderá dizer quando acaba ou onde vai parar.

Cresce a miséria disfarçada. Porque o Português gosta de viver de aparências. Se o vizinho tem, porque não hei-de ter também? E já, esperar para quê? Ganha-se mil, gasta-se mil e quinhentos. Que se lixe, alguém há-de pagar.

Num país onde o RED cresce exponencialmente a cada dia que passa, entram-nos diariamente pelo telemóvel adentro a oferecer vantagens se aderirmos ao cartão de crédito todo XPTO que inventaram, com um plafond impossível de pagar.

Num país onde os valores estão cada vez mais sobrevalorizados, enche-se as crianças de valores materiais para que não percebam que os pais não estão presentes, não estão interessados, não querem saber.

Antigamente era comum ver os pais, os filhos e os bóbis a passearem no parque no domingo à tarde. Hoje os parques estão vazios. Onde estão as crianças? Com as amas? Entregues a si próprias?

Vê-se e ouve-se mães e pais nos transportes públicos, a mandarem verdadeiras postas de pescada ao ar. Mas o que aconteceria se essas postas não fossem virtuais e lhes caissem realmente em cima? Quantos veriam afinal de quanto valeria o último cartão de crédito, o último fim de semana em que saíram com as amigas, ou foram ao futebol, e não se aperceberam que os filhos cresceram e já não bebés?

E que tipo de adultos serão esses bebés no futuro? Ricos em VISAS, férteis em RED, mas pobres em valores?

Talvez os valores devessem passar a ser transmitidos por siglas e via telefone. Talvez assim não estivessem em vias de extinção.

Chuva de Prata



Ontem choveu. Pingos grossos, pesados, que magoavam quando caíam. Na rua, transeuntes apressados corriam para se abrigar. De onde viera aquela chuva tão intensa, tão de repente, como se cobriu o céu de relâmpagos quando ainda há momentos estava tão límpido?

Fico a ver chover, olhando abstractamente pela janela. O marido chega, praguejando contra a chuva repentina que o encharcou. Nem a propósito, a Gal Costa começa a cantar Chuva de Prata. Ele vem, abraça-me e encosta o queixo à minha cabeça.

A chuva é tanta e tão intensa que levanta fumo. As mãos dele envolvem-me, esfregando-me os braços num gesto que tem tanto de distraído como de ternurento.

E com um beijo a cheirar a chuva, ouço-o dizer baixinho:

- Cheguei, querida.

A Máscara



Tinha um cabelo louro-acinzentado, olhos cristalinos e sorriso meigo. Falava sempre baixinho, como se tivesse medo de incomodar alguém com o som da sua voz. Tudo nela era comedido, pensado, terno. Por vezes afivelava-se uma expressão pensativa, que enobrecia as suas feições delicadas. Outras, chorava às escondidas e aparecia de olhos vermelhos.

Sussurros, murmúrios nas sombras. Seriam esses que a fariam chorar? Quem o podia dizer? E depois os sussurros subiram de intensidade e já eram falados a meia voz. E quanto mais os sussurros eram repetidos, mais inchados e vermelhos ficavam os olhos cristalinos.

E um dia já não eram sussurrados. Eram ditos, em voz alta, pela frente. Era questionada à luz do dia sobre as palavras pesadas que proferira na escuridão. E o anjo era afinal dissimulado, falso, mentiroso. Um autêntico anjo caído. E subitamente os olhos eram menos cristalinos, o sorriso era menos terno, tornava-se calculista, até as feições que antes pareciam meigas se tornavam frias, marmóreas.

Falsidade, aleive, mentira.

Podem aparecer debaixo de muitas máscaras. Nenhuma é tão perigosa como a máscara da virtude.

Do you Believe in Life After Love?




Muitos teóricos têm-se entretido com profundas questões existenciais, uma das quais, e não menos importante, se existirá vida após o amor ou, melhor dizendo, após uma relação destroçada.

Era uma vez um rapaz, simpático e atencioso, com gosto pelo petisco ao domingo à tarde. E este rapaz conhece uma garota, cinco anos mais nova, por quem se apaixona e começam a namorar à distância. Apesar de terem meio continente e um oceano a separá-los, os ciúmes conseguem-se intrometer e destruir a relação.

Era uma vez uma adolescente, que conhece na escola um rapaz por quem se apaixona. O rapaz desiste de estudar, não quer trabalhar e passa a vida a fumar e a conviver com os amigos. A adolescente cresce, vai estudar para a universidade mas continua presa àquele rapaz, a ponto de se tornar capacho dele. E quanto mais ela estuda, menos ele quer fazer da vida.

Era uma vez um homem. Adulto, casado, pai de filhos, que conhece uma jovem pela internet e promete-lhe mundos e fundos – inclusive que vai deixar a mulher e os filhos para ir viver com ela. E um belo dia, põe um ponto final na relação, sem mais nem quê, porque se fartou da jovem e arranjou outra.

Era uma vez uma mulher adulta. Provém de boas família, e tem um namorado que beija o chão que ela pisa. É instável emocionalmente, fala constantemente em suicídio, e tem ciúmes até à medula do ar que ele respira.

Era uma vez um casal, com dois filhos. Os filhos estudam num colégio particular, os pais estão os dois empregados e trazem uma bela maquia para casa. Vivem numa vivenda com piscina, cada qual tem o seu carro. E um dia perdem tudo porque vivem muito acima das suas possibilidades e quiseram ter tudo ao mesmo tempo. E quando dão conta, já se perderam um ao outro e segue cada qual o seu caminho.

Ciúme, obsessão, falsidade, ganância, tudo isto se intromete no meio de uma relação. Onde deviam haver dois, há uma multidão. Não há amor, não há respeito, que aguente tanta intromissão. E acabam por se separar. O rapaz chora pela namorada que julgava que  tinha, a adolescente chora pelo namorado que gostaria de ter e que na realidade é outra coisa completamente diferente, o homem casado chora pelo que quer ter, a mulher adulta chora pelo que tem, o casal chora pelo que perdeu.

Tudo encontrou um fim, e nada simpático. Mesmo que continuem juntos, há um mundo a separá-los. É necessário fazer o luto, libertar-nos destes sentimentos negativos, para que possamos evoluir. Evoluir enquanto pessoas, enquanto seres humanos. Enquanto continuarmos centrados no que foi, não poderemos viver o presente e sonhar o futuro. E vemos a vida passar-nos ao lado.

Existe vida após o amor.

Just not right afterwards.

A Solidão em Portugal





Para quem viu ontem a reportagem da TVI, sobre a solidão, dificilmente terá ficado indiferente. Pelo menos se ainda tem réstias de humanidade dentro de si.

Vivemos no país da corrupção, onde um ministro pode tirar uma licenciatura a um domingo e ninguém estranha ou reage; onde pontes caem após dez e quinze anos de avisos; onde crianças entregues à Santa Misericórdia são violadas e quando reúnem coragem para denunciar o caso, acabam por ser agredidas, como se de vítimas tivessem passado a agressores; onde um pai pode bater num docente, e um docente não consegue sequer impor respeito na aula; onde os licenciados – sim, os que conseguem efectivamente tirar licenciaturas pelas vias normais – saem e após anos e anos de esforço não conseguem um trabalho que atinja sequer as fronteiras do que estudaram; onde licenciados e pessoas sem estudos têm a mesma miséria de ordenado, enquanto outros vivem à custa desta miséria; onde se pagam rendimentos mínimos a quem não procura trabalho, e se cortam subsídios de desemprego a quem trabalhou a vida inteira e se viu, subitamente, sem emprego porque a empresa abriu falência; onde se fala de envelhecimento da população mas se corta nos abonos para que não se pague demasiado (?) às crianças ainda por nascer; onde o Estado, sendo o maior devedor, consegue encerrar empresas que não tiveram dinheiro para pagar impostos; onde administradores tiram salários e prémios milionários em empresas públicas que estão em falência técnica; onde os pais perderam a noção do correcto a ensinar aos filhos, e temos pais que lamentam a perda da vivenda mas não lamentam a perda da família; onde um político pode, através de meios esconsos, subir na vida, espezinhando sempre os mesmos sacrificados; um país que corta na educação e na assistência médica, mas que constrói estádios que hoje vazios; um país que compra submarinos mas que não paga salários aos militares ou os devidos descontos; onde a Comunicação Social, toda de pinote, deita as notícias cuidadosamente controladas cá para fora, como que temendo ofender as dignidades (?) da classe política.

É este país que condena ao abandono, ao vazio, os idosos. Quer vivam numa grande cidade ou perdidos num monte alentejano.

O que é que marcou mais na reportagem? As jovens que foram retiradas aos pais e institucionalizadas em terra idade? As jovens que sofrem de anorexia desde tenra idade porque foram violadas e emitiram gritos silenciosos de ajuda que ninguém ouviu? Os pais que, por doença ou por outro motivo qualquer, perderam um ou dois filhos e tentam viver dia a dia, sabendo que a vida nunca mais será a mesma, que perderam a luz dos seus olhos? Ou aqueles idosos que toda a vida trabalharam a terra, de sol a sol, nunca pediram subsídios, nunca ouviram falar em férias, vivem em condições miseráveis, em casas onde não entra o sol mas entra muita chuva, onde o chão é de terra batida, onde o negrume se instalou nas paredes e na sua vida, onde a paisagem é a mesma, dia após dia após dia, que chamam fogão a um tripé ferrugento onde fazem uma fogueira no chão, numa casa sem ventilação? Onde um pai pode encontrar espaço num casebre de duas divisões para criar quatro filhos, mas esses quatro filhos não têm espaço nos seus apartamentos para levarem o pai para viver com eles? Onde um pai ou uma mão estão hospitalizados e pedem para ficar no hospital porque pelo menos ali têm refeições a tempo e horas? Onde a única companhia de um idoso, dia e noite, semana após semana, são os gatos, os cães ou as galinhas?

Tenho orgulho do Portugal que deu a conhecer novos mundos ao mundo; tenho orgulho do Portugal que sempre se uniu e lutou para resistir a invasores e conquistadores; tenho orgulho do Portugal que soube conviver com católicos e muçulmanos, e que todos tenham encontrado o seu cantinho; mas tenho vergonha do Portugal que permite que grandes lordes se banqueteiem enquanto as crianças passam fome; tenho vergonha do Portugal que permite que os idosos vivam abandonados sem as mínimas condições de higiene, sem água ou luz, sem uma única companhia que não seja a lezíria alentejana, a sua horta e a sua criação; tenho vergonha do Portugal que só reconhece o mérito de um português quando o estrangeiro também o faz; tenho vergonha do Portugal que permite que venham de fora dizer o que devemos ou não cultivar, o que devemos ou não pescar, o que devemos ou não produzir; tenho vergonha do Portugal que permite que reduzam a cinzas um país que tinha tudo para se governar sozinho. Em suma, tenho vergonha do Portugal que não se importa com o Português.