Quem viu o debate entre Paulo Portas e Francisco Louçã deve ter reparado logo num pormenor gritante: nenhum dos cavalheiros falou em Democracia Pedagógica, ou Pedagogia democrática, ou lá como lhe queiram chamar. Pode-se avançar com muitas teorias – o tempo era curto, havia outros assuntos na mesa, etc... para mim, o motivo foi claro: como nenhum sabe o que raio aquilo quer dizer, nem mencionaram, com medo que a jornalista lhes pedisse para definirem o conceito e assim esclarecessem o país.
Centraram-se então nas reformas de 185, 225 e 250 euros, que era um afronto à dignididade humana (palavras minhas, claro; o mais que os ouvi dizer foi que as pessoas tinham dificuldade em viver com estes valores. Tenho uma novidade para vocês, iluminados: as pessoas não têm dificuldade em viver com estes valores, as pessoas passam fome, não compram medicamentos e vivem barracas – em suma, não vivem, sobrevivem e mal). E depois foram para o outro extremo, que na opinião deles era 1500 euros. Conquanto concorde que existem pais de família que não levam, a trabalhar, estes valores para casa, tenho outra pergunta que nenhum deles se lembrou de colocar ao adversário (?): então e as reformas milionárias daqueles palhaços velhos que continuam a ocupar cargos públicos, que são professores, doutores e o diabo a quatro mas têm dificuldade em escrever o próprio nome – em letra legível pelo menos – mas que continuam no activo? Ou aqueles que, além do ordenado mensal, ainda recebem de outros lados onde durante o mês inteiro não puseram os pés? Assim de repente, lembro-me de nomes sonantes que leccionam nas Universidades (públicas ou privadas, não interessa), mas que mandam os seus assistentes darem as aulas porque estão presos no trânsito, no hospital, no tribunal, no sofá a dormir uma soneca. Eu própria fui aluna de um nome muito sonante da gíria médica, e se vi o homem duas vezes nas aulas foi muito. E claro que nunca fazia as duas ou três horas de calendário, quando fazia uma e meia já nos consideravamos sortudos. Em compensação, fiquei a conhecer bastante bem o assistente dele, que vinha dar as aulas porque o Senhor Professor Doutor estava muito ocupado e não podia.
Acúmulo de cargos??? Nãããããããããããããããoooooooooo!!!!!!!
Voltando ao debate político, numa coisa eu concordo com os cavalheiros: sem se cortar na despesa não se vai longe. Completamente certo. Mas será que algum dos iluminados avançou com uma sugestão concreta? Claro que não! Porque é que haveriam de sugerir cortas no séquito de acessores, motoristas, etc...? Porque é que haveriam de passar a andar de transportes públicos? Resolvia-se logo o problema da velhinha de muletas de pé, porque por um lado não é bom para a imagem ir sentado enquanto um eleitor vai de pé, e depois porque com os Senhores Doutores a andarem de transportes de certeza que a Carris punha mais autocarros nas estradas, a CP mais comboios e só não falo no Metro porque nesta desgraçada cidade ainda são os mais cumpridores. Lá porque o país está na bancarrota, haviam de passar sem as suas comodidades? Deus nos livre!
Já sei que ninguém me encomendou o sermão, mas eu vou pregá-lo na mesma, primeiro porque não estou à espera de autorização de ninguém e segundo porque gosto de ouvir o som da minha voz – não pecisam de agradecer, é de borla e é de vontade! Muito boa vontade, mesmo.
Então aqui vai: deixem-se de palavreado caro e oco, porque metade do país é demasiado inculto ou envelhecido para vos entender, cortem nas vossas mordomias, deixem de deitar dinheiro à rua e façam-se úteis, para variar! Em vez de andarem a distribuir canetas ou chouriços em época de eleições, em vez de andarem a abrir buracos em estradas que há um ano foram esburacadas e depois remendadas, façam o trabalho com cabeça, tronco e membros! Cortem nos comícios – e não me venham dizer que os fundos são privados porque nisso não acredito eu nem vocês – cortem nos séquitos, e ouçam o que as pessoas têm para dizer!
E ponham ponto final às mordomias dos ex-Presidentes da República! Um Presidente dos EUA que queira protecção após o término do seu mandato, paga-a do seu bolso. Porque haverão os importantões do lado de cá do oceano, nesta importantíssima potência mundial que é Portugal, de ser mais que os outros e continuar a ter segurança paga pelo povo, polícia à porta e carros pagos por todos nós? Ando eu enlatada no autocarro para outros andarem a pavonear-se (ou às mulheres, ou às amantes, ou aos filhos) num carro pago por mim?!
E se não me ouvirem a mim, ouçam as palavras do imortal Eça de Queiróz, n’Os Maias, na boca do incorrigível Ega: “Um partido está no Governo e a Oposição passa a vida a criticar o seu trabalho, embora reconheça o mérito nas cabeças pensadoras governamentais; o governo muda, a oposição passa para governo, e o governo passa a oposição. Passam a vida a criticar-se uns aos outros, embora todos reconheçam que do outro lado estão grandes cabeças pensadoras. De resto, todos concordamos que o país está na choldra!”
(Adaptação livre. Já li Os Maias pela última vez há doze anos e embora consiga dizer com precisão a cor das meias do Carlos da Maia na noite do jantar do Hotel Central, não me lembro dos diálogos todos, mas a ideia é esta).
Afinal, o que é que ganhámos com cem anos de República? (E recordo que quando Os Maias foram escritos, o rei estava vivo, de saúde e recomendava-se, muito obrigado).
Mudaram as moscas. Nada mais.