sábado, 27 de abril de 2013

Anjo da Guarda



No dia em que a mãe faria a bonita idade de 90 anos, o meu pai pagou a factura de uma vida inteira a reprimir emoções e sentimentos. Uma veia rebentou na cabeça, conduzindo a um AVC que podia ter tido consequências substancialmente mais graves.

Porque é que somos como somos? Como é possível sermos tão diferentes? Eu sou tão explosiva, ele tão calmo e retraído. Eu digo frontalmente o que penso, ele mastiga e regurgita e mesmo assim não diz o que realmente lá vai dentro.

Tens noção que tiveste muita sorte? Que andaste a brincar com a saúde e deverias ter ido logo para o hospital? Que tiveste um anjinho da guarda muito grande a teu lado?

Eu expludo várias vezes ao dia; em "suaves" prestações diárias. Aconselho. A sério. Não fica cá nada a remoer excepto uma sensação de leveza particularmente satisfatória.

Tens duas âncoras na tua vida a que te agarrar. Os teus netos precisam de ti. Sai dessa cama de hospital e vem cá para fora respirar o ar puro da serra e das fraldas.

Ainda tens muito para viver.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Aniversário



Hoje farias 90 anos. 90 primaveras, vividas com toda a calma, um dia de cada vez. Eras a pessoa mais calma que eu conheci. Devia ter herdado essa costela, avó.

Hoje era o teu dia, e estarás ainda mais presente no meu pensamento do que o costume. Lembras-te como gostavas do meu caril? ("Tu lá vais descobrir estas coisas, lá ao pé de mim não há nada disto!"). Lembras-te como apreciavas um bolinho para o chá? ("Quando o teu pai era pequenino, fazia dois grandes bolos ao domingo; quando chegávamos a sexta-feira já não havia nada."). E dos livros, avó? ("Muito lês tu; fazes-me lembrar eu quando o teu avô era vivo, tinha sempre um livro na mala").

Há quase três semanas que ficaste em paz. Mas estás tão viva no meu coração como sempre estiveste.

Feliz aniversário, avó.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Saudade



A Wikipédia define Saudade como sendo "o amor que fica quando o ente querido partiu". Neste momento, acho que é a melhor forma para definir o sentimento que tenho com a tua partida, avó.

Penso tanto em ti... Dói-me tanto a tua ausência. Um ciclo encerrou-se, e sinto tanto a falta...

Na minha mente, nas minhas recordações, estás sempre sorridente. Como naquela foto. Lembras-te dos nossos passeios? Das nossas horas ao fogão?

Gostava que tivesses conhecido a minha menina. Tinhas uma adoração tão grande pelo nosso menino, irias adorar a tua menina... Como os olhos te brilharam quando soubeste que ias ter um bisneto...! Nem querias regressar a casa com medo de perder um piscar de olhos...

Agora já cá não estás, mas a saudade fica. Tal como as lições que o ciclo encerra.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Luto



O meu coração está de luto. A minha querida avó, tão especial de tantas formas, a "avó velhinha" dos meus meninos, um dos alicerces da minha vida, deixou-me na sexta-feira com a bonita idade de 89 anos.

Faria 90 este mês, no dia 24.

Como vou continuar sem ti, avó? A saudade aperta-me o coração. Tu eras tão importante para mim, tu adoravas os teus meninos... Lembras-te quando eu ia passar férias contigo e ficava mais de uma semana? Ficavas toda contente e dizias, "ao menos não é visita de médico!" e só lamentavas que as férias passassem a correr.

Quem não gostava de ti? Com a tua calma, a tua simpatia, a tua maneira de ser e estar... O teu vagar... lembras-te, avó, das nossas partidas de dominó? Lembras-te de quando me tentaste ensinar croché? E fada do lar? Fraca aluna fui, e agora levaste os segredos contigo.

Lembras-te quando íamos à avenida da igreja, e tu ficavas encantada? Quando fazíamos piqueniques na Arrábida, belas sardinhadas que faziam o teu encanto, ou quando, em pleno Inverno, e já em minha casa, fazíamos uns assadinhos no forno ou um prato mais exótico e tu dizias: "Onde é que foste descobrir estas coisas?" e comias com prazer.

Lembras-te das horas que passámos na cozinha? A fazer bolos, bolachas, doces de todos os géneros? Quem me ensinou a bater um bolo com a colher de pau, avó? Quem me ensinou a meter a mão na massa?

Quando a minha vida mudou, quando de vida de solteira passei a fazer vida de casada, tiveste sempre um lugar na minha casa e agora eras tu que vinhas "passar férias" comigo. Lembras-te, avó? Ficavas toda encantada. Tinhas sempre lugar aqui, nunca te sentias só ou mal aqui.

E dos passeios a Fátima, que tu adoravas? Podia doer-te tudo, mas mal chegavas a Fátima, dizias sempre: "Ou é da companhia ou é milagre!", porque subias e descias tudo a correr, nada te doía.

Quando fiquei grávida do nosso menino, toda tu irradiavas alegria. E que o teu menino fosse tão parecido com aquele outro menino que tu acarinhaste e criaste... Oh, alegria dos céus! Eram os teus meninos. Lembras-te, avó? "Dá-me, dá-me, dá-me, dá-me, dá-me!" Parecia que nunca mais pegavas no teu bebé ao colo, chamavas-lhe "Joãozinho da avó" e havia uma luz especial no teu olhar.

Como é que vou dizer ao nosso menino que a avó velhinha já cá não está? Como é que vou contar-lhe que já foste para o céu? Ele, que ainda fala tanto em ti?

Fazes-me tanta falta, minha querida. Eu já sabia que tu serias a primeira a dizer que não quererias viver assim, e na verdade Deus levou-te antes que o sofrimento começasse. Tu dizias-me tantas vezes "Eu não sei estar parada" e isso era verdade.

Tu amaste e foste amada. Recordaste e és recordada com eterna saudade. Não só por mim, como bem sabes. Tenho tantas, tantas saudades tuas... Quem me dera poder de alguma forma rever-te e podermos voltar aos passeios na avenida, aos piqueniques, às horas na cozinha...

Descansa em paz, avó. Tiveste uma vida cheia e preenchida. Agora estás no merecido descanso. Só não sei ainda como viver sem ti a meu lado.

Adoro-te, avó.