Correndo o risco de parecer o outro do anúncio, vou começar por dizer "Eu ainda sou do tempo..."
Ainda sou do tempo em que eram os garotos a trazerem trabalhos para fazer em casa. É certo que estamos a falar de uma criança com dois aninhos e meio, e isso ainda mais me baralha: não era suposto não termos trabalhos de casa nesta idade???
Pois hoje, quando fui buscar o meu pequenote à creche - após uma ausência de duas semanas por motivo de férias - a educadora entregou-me uma castanha em cartolina e disse-me, com um sorriso grande:
- Ò mãe, não se esqueça de me trazer isso amanhã enfeitado!
Fiquei verde. Peçam-me para discursar na Assembleia da República, peçam-me para lavar vidros do sétimo andar das Torres, peçam-me para enfrentar um chihuahua enraivecido, tudo menos fazer desenhos. Não tenho mesmo jeitinho nenhum para aquela arte. Olhei para ela com ar tão apavorado que o sorriso se alargou e tornou-se afiado:
- A mãe nunca andou na creche?
Por acaso, não. Sou do tempo em que as crianças eram educadas pelas avós enquanto as mães iam trabalhar (e a minha avó fartou-se de criar crianças que não eram netas de sangue, mas o eram de coração), sou do tempo em que os trabalhos de casa começavam a partir dos seis anos quando se entrava para a escola... e já mencionei que não tenho jeito nenhum para as artes plásticas?
O meu garoto agarrou na castanha de cartolina, com um sorriso grande na sua carinha. Quis ser ele a entregar ao pai o pedaço de cartolina.
Deus abençoe os homens com insight. O meu marido olhou para "aquilo" e disse:
- Tenho de ir à mata.
Por mata, entenda-se os onze hectares de parque selvagem que constituem um verdadeiro pulmão na minha cidade.
De verde, passei a cinzento. Agora é que eu estava a ver a minha vida toda andar para trás!
Por sorte, não demorámos muito. O meu marido apanhou o que entendeu que ia ficar bem e quando chegou a casa, ele, que costuma ajudar-me com o menino e com as coisas do dia-a-dia, pediu-me:
- Amor, hoje deixas-me aqui até acabar isto, está bem?
Por outras palavras, não me chateies. Tratei da janta enquanto ele tratava da castanha de cartolina. E talvez devido ao trauma que um simples pedaço de cartolina me estava a causar, fui fazer jantar a cheirar a São Martinho.
Quando terminei de servir os pratos ele mostrou-me a sua obra prima.
Digam lá que não ficou uma obra de arte! Tenhou ou não tenho um maridinho jeitoso?